Toda vez que eu olho no espelho antes de sair e vejo a maneira como eu uso meu cabelo hoje, eu penso no quanto ele é bonito e combinou muito bem com meu estilo, geralmente na mesma hora me vem a mente um trecho da música Put your records on da Corinne Bailey Rae que diz “Don’t you let those other boys fool you. Gotta love that afro hairdo (não deixe aqueles outros meninos te enganarem, você tem que amar o seu penteado afro)”.
Mas escolher usar um cabelo afro envolve muito mais do que uma simples decisão sobre alisar ou não alisar um cabelo, envolve mais do que estética, uma aceitação em saber que esta é uma opção tão boa quanto qualquer outra.
Há alguns dias tive oportunidade de assistir a um dos programas da modelo Tyra Banks, cujo tema era “O que é cabelo bom”, ali mulheres negras de diferentes idades, até mesmo crianças narravam suas aventuras e desventuras com seus cabelos e porque usar o cabelo natural não seria uma coisa boa ou aceitável.
Ouvir as narrativas realizadas no programa me fez pensar na minha própria relação com meu cabelo e sobre o peso que colocaram sobre nós, ao criarem o estigma do “cabelo bom”.
Me fez ver também que esta é mais uma das particularidades partilhadas por aqueles que são vítimas de racismo, não importa em qual dos países da diáspora essas pessoas tenham nascido.
Como qualquer outra criança negra no Brasil, eu fui criada sob o estigma do “cabelo bom”, ou melhor, o estigma de não ter “cabelo bom”, essa foi uma das características que me fez ver, o quanto meu cabelo remete a minha negritude, já que pela minha pele clara, supostamente no Brasil, eu não deveria sofrer racismo de nenhuma maneira.
Mas ao contrário do que é pregado por aqueles que defendem a não existência do racismo em nosso país, essa, ao meu ver, sempre foi uma das maneiras mais cruéis de discriminação.
Quando criança, meu desejo era ter um cabelo liso. Sofria quando as outras crianças tiravam sarro de mim e diziam que meu cabelo era bombril, ou riam quando ele estava mais armado. Pentear o cabelo então era outro sofrimento, mesmo com toda a paciência de minha mãe, não havia na época no Brasil, produtos específicos para crianças de cabelo afro.
Me lembro bem de enrolar toalhas de banho no cabelo e balançar como se fosse um rabo de cavalo, como as garotas de cabelos lisos faziam.
Nessa época o meu maior sofrimento, foi não ter sido convidada para ser dama de honra de uma pessoa conhecida, pois em minha cabeça de criança de seis anos, isso havia acontecido por eu ser a única criança de “cabelo ruim”.
A primeira vez que eu alisei meu cabelo eu tinha sete anos, ainda me lembro com precisão o cheiro forte do produto, que me lembrava uma fossa aberta, me lembro mais ainda da minha alegria ao ver que meu cabelo finalmente estava liso.
Mas obviamente o processo de alisamento é temporário, então depois de uns meses lá estava minha raiz crespa cismando em aparecer.
Daí pra frente a busca por manter o cabelo cada vez mais liso só cresceu, passei pela touca de gesso (um alisamento antigo, que pode ser considerado o avô da escova progressiva), que me rendeu uma enxaqueca de mais de uma semana. Depois voltei para os alisamentos comprados em farmácia, até que por volta dos 16 anos descobri o alisamento com soda.
Esse método foi escolhido por sua eficácia em deixar um cabelo liso e “natural”, mas suas contra indicações eram graves queimaduras em diferentes pontos do couro cabeludo.
Entre um alisamento e outro meu processo de conscientização sobre a negritude ia acontecendo e um dia ao ler a biografia do Malcom X, me dei conta, que a agressão que ele havia sofrido ao alisar o cabelo e ter que enxaguar a cabeça na privada, era a mesma que eu passava ao usar um produto que tinha como principal elemento a soda cáustica e que me deixava com feridas por toda a cabeça.
Mas eu ainda não estava pronta para deixar meu cabelo natural, todos os anos de lavagem cerebral que diziam que meu cabelo era “feio”, ou “ruim”, haviam funcionado muito bem, porque eu não conseguia pensar em deixá-lo sem química. Uma das razões era acreditar que isso não ia permitir que eu encontrasse um bom emprego, o que infelizmente ainda é uma realidade no Brasil.
Após alguns anos eu conheci as tranças (um tipo de trança diferente do que eu usava quando criança), o Kannekalon foi meu primeiro contato com um penteado completamente afro e também meu passaporte para a “marginalidade” dos cabelos.
Quando escolhi usar tranças, eu ouvi todo o tipo de pergunta possível, desde por que eu não tirava aquela “coisa horrível” até se eu não lavava o cabelo enquanto usava “aquilo”, com direito inclusive a pegarem meu cabelo no metrô só para ver do que era feito.
Mas eu amava minhas tranças, sempre fiquei muito feliz em trançar o cabelo.
No intervalo entre uma trança e outra, continuava relaxando meu cabelo, com processos menos agressivos, mas não havia “paciência” para deixar o cabelo crescer ao natural .
Até que finalmente criei coragem para cortar os cabelos, usar a trança até o momento em que o meu cabelo natural estivesse comprido e trocar as tranças pelo afro, ou black como chamamos por aqui.
Essa poderia ser apenas mais uma história, afinal mulheres trocam de penteado com facilidade, ou esse poderia ser apenas mais um modismo, mas ao ver as crianças daquele programa dizendo o porque não queriam usar seus cabelos naturais, senti muita dor, por elas, por mim e por todas as outras meninas negras que sofreram com isso e que ainda sofrem.
Esse não é um processo fácil, eu ainda ouço muitas piadas e risadas quando ando na rua com meu cabelo afro, muitas pessoas ainda não compreendem e me dizem que é feio. É algo que está mais intrínseco do que se pensa, pois o estigma do “cabelo ruim” faz parte da nossa sociedade e é tão sutil que muitas vezes nem paramos para pensar sobre isso e o que ele causa em nossas mentes.
Não pensem que tenho problemas com cabelos alisados, relaxados, ou qualquer outra coisa do tipo, nem acredito que mulheres negras possam ser menos conscientes por alisarem os cabelos, mas acredito que é válido pararmos para refletir o porque de fazermos isso, se apenas porque é algo que gostamos, uma opção a mais ou se é algo mais profundo, que nos faz como garotinhas querendo ter o cabelo liso e loiro que nunca teremos.
Deixo essa pergunta para vocês e posso afirmar que me sinto livre ao olhar no espelho e dizer: Eu amo meu cabelo afro!
Whenever I look in the mirror before leaving my home, and I see my hair, I think how it’s beautiful and matches my style. At the same time, the lyrics of Corinne Bailey Rae Put your records on come to my mind: “Don’t you let those other boys fool you. Gotta love that afro hairdo”.
But choosing to use an afro involves much more than a simple decision about to straight or don’t straight a hair. More than aesthetics, it consists of accepting that natural hair is an option as good as any.
A few days ago, I had the opportunity to watch Tyra Banks’ show, whose theme was “What is good hair,” where black women of different ages narrated their adventures and misadventures with their hair. They explained why wearing their hair natural wouldn’t be a good or acceptable thing.
As I heard the stories they shared in the show, and I started thinking about my relationship with my hair, I reflected on the weight people put on us when creating the stigma of “good hair.”
This reflection made me see how this pressure is another characteristic shared by those who are victims of racism, no matter where diaspora people were born.
Like any other Black child in Brazil, I grew up under the stigma of not having “good hair.” This was one of the features that made me see how my hair refers to my blackness, considering that because of my light skin, presumably in Brazil, I shouldn’t suffer racism.
But despite claims of the unexistence of racism in Brazil, hair shaming has always been one of the cruelest ways of discrimination.
When I was a child, my wish was to have straight hair. I use to suffer when other children made jokes about me and said that my hair looked like steel wool or laughed when he was up. Combing my hair was painful, even with all the patience of my mother. At that time in Brazil, there weren’t specific products for children with an afro.
I still remember wrapping bath towels on my hair and shaking it like a ponytail, as the girls with straight hair used to do.
At that time, my suffering was not being invited to be maid of honor to an acquaintance, cause on my six years old head, that has happened cause I was the only kid in the group with “bad hair.”
I was 7, the first time that I straighten my hair. I still remember accurately the bad smell that reminded me of open sewage. I remember much more my happiness when I see that my hair finally was straight.
But obviously, the perm process is temporary, so my curly roots are insisting in to appear after some months.
From this moment, the search to keep my hair every time more straight only grew. I went through the plaster cap (an old way to straighten the hair that can be considered the Grandpa of the progressive straightener), which gave me a migraine for more than one week. After that, I back to the drugstores’ straighten products, till when I was around 16, I discovered the straight with sodium hydroxide (caustic soda).
My hairstylist chose this method because of its efficiency in giving my hair a straight and “natural” look. However, its contraindications were severe burns in different parts of the scalp.
Between my perms, my awareness process was happening. Once I read Malcolm X’s biography, and I realized I was suffering the same aggressions. Every time the perm burnt my scalp, I remembered the narrative, where he straightened his hair and had to wash it on the toilet bowl.
But I still wasn’t ready to let my natural hair grown. All those years of brainwashing, learning that my hair was “ugly” or “bad” had worked very well because I could not think about leaving it without chemicals. I believed that wearing my hair naturally, I couldn’t find a good job, which unfortunately is still a reality in Brazil.
After few years, I met the braids (a braid different from that I used to wear when I was a child). The Kannekalon extensions were my first contact with a totally afro hairdo and my passport to the “marginality” of the hair.
When I chose to wear braids, I heard all kind of possible questions about why I didn’t remove that “horrible thing,” till if I didn’t wash my hair while I was wearing “that”, with the right to having my hair caught on the subway station to see how was made.
But I loved my braids, and I always was delighted to braid my hair.
I still was relaxing my hair between a braid and another, with less aggressive process, but I didn’t have the “patience” to let my natural hair grow.
Till I finally dared to cut my hair, wear braids until the moment that my natural hair was long, and change my braids to an afro, or “black hair” as we call it here.
This could be only another story because we change our hairdo quickly, or this could be just another fad. Still, when I saw children on that show saying why they didn’t want to use their natural hair, I felt much pain, for them, for me, and for all the other black girls who have suffered from this and for those who are still suffering.
This isn’t an easy process. I still hear many jokes and laughter when I walk on the street with my afro. Many people still don’t understand and tell me that it is ugly. It’s more intrinsic than we think because the stigma of “bad hair” is a part of our society and is so subtle that we often don’t stop to think about this or about what it does with our minds.
I don’t have any problems with permed hair or anything like that, nor do I believe that Black women may be less aware cause they have their hair straightened. Still, I think it is good to reflect on why we are doing this if the only reason is that we want another option, or if it is something deeper inside that made us as little girls wishing the straight and blond hair we will never have.
I leave this question to you while affirming that I feel free to look in the mirror and say: I love my afro!