O processo de escrita desse post tem sido longo. Por várias vezes já pensei em começar, mas me sinto tão sensibilizada com o tema, que vejo o quanto isso pode prejudicar a escrita e simplesmente paro.
A primeira vez que vim aos Estados Unidos, tive a oportunidade de morar por dois meses em Atlanta no estado da Georgia. A experiência foi tão profunda para mim que cada etapa do que vivi era visto como algo mágico. Entre esses, também era novo para mim o fato de ser considerada uma mulher bonita pelos homens negros aqui, coisa que não acontecia com frequência no Brasil.
Naquele período de dois meses, aprendi que a palavra bonita tinha uma outra conotação quando ela vinha acompanhada da frase “ah você é do Brasil?”. Era fácil perceber que o que estava em jogo não era apenas o fato de ser bonita ou não, mas era antes de tudo o fato de ser brasileira que significava alguma coisa.
Sempre tinha ouvido falar sobre o estigma da hipersexualidade da mulher brasileira no exterior, que essa era vista como uma mulher fácil, ou ao até mesmo como uma prostituta, mas sempre achei que isso era uma generalização e não um fato concreto.
Com o passar dos anos, eu que sempre tive amizade com americanos negros, nunca pensei nesse tema como uma possibilidade, considerando-se que com meus amigos, sempre tive uma relação de respeito e igualdade independente de suas nacionalidades.
E essas relações foram cada vez mais me aproximando do conceito de diáspora e a tentar pensar na luta negra de forma coletiva onde negros de todo mundo devem estar unidos na luta contra o racismo.
Nesse período comecei a ter mais contato com a comunidade negra americana por conta do meu trabalho e cheguei a ser abordada por alguns homens negros americanos de forma indevida, mas sempre vi como fatos isolados, pois acredito que falta de caráter independe de nacionalidade.
Preciso dizer que esse pensamento não mudou, continuo encontrando pessoas maravilhosas no meu caminho e fazendo ótimos amigos aqui.
Contudo é preciso dizer que desde que passei a viver nesse país, alguns fatos chegaram ao meu conhecimento, tornaram as coisas mais claras e me deixaram realmente entristecidas.
O primeiro fato foi um comentário de um estranho sobre homens afro-americanos irem ao Brasil a procura de prostitutas, pois isso facilitaria o relacionamento apesar da barreira da língua. O segundo fato foi a observação de comportamentos indevidos de alguns homens negros americanos no Brasil, que tratavam mulheres como um corpo disponível, como pessoas que estariam ali apenas esperando por eles. Por último, tive acesso a um video que circula livremente pelo youtube onde homens afro americanos dizem procurar mulheres brasileiras, pois essas seriam submissas, não estariam preocupadas com status ou posição social e não teriam um alto nível de educação.
O vídeo me chocou por diversas razões:
A primeira pelo fato de que todas as mulheres no video eram negras.
A segunda pelo fato de que a maioria das mulheres no vídeo visivelmente faziam parte de uma rede de prostituição e as pessoas de forma indiretas mencionavam turismo sexual.
A terceira pelo fato de que o video em todo o momento criava uma tensão entre as mulheres negras brasileiras e as mulheres negras americanas, onde essas estariam sendo preteridas pelas primeiras.
A perspectiva apontada pelo vídeo me fez sentir realmente mal, comecei a lembrar de diversos fatos isolados não apenas que aconteceram comigo, mas também histórias de pessoas conhecidas que tinham exatamente essa perspectiva: mulheres negras brasileiras sendo tratadas como seres de segunda classe por aqui.
Comecei a lembrar que geralmente os comentários sobre a mulher negra brasileira ser bonita, vinham acompanhados sobre comentários de como esses homens gostariam de ir ao Brasil e se divertir muito, mas nunca acompanhado de um pensamento de encontrar uma mulher negra brasileira para um relacionamento verdadeiro, esses são reservados para boas mulheres americanas.
A tristeza só aumenta quando penso que isso é o reflexo de nossos corpos sendo vendidos como produto desde a escravidão, afinal no Brasil a branca sempre foi para casar, a “mulata” para foder e a preta para trabalhar.
Como mulheres Afro Brasileiras sejamos nós de pele escura ou clara, nos tornamos ao longo dos anos a mulata exportação, o símbolo da sexualidade de um país, uma bunda ambulante que está disponível, aquela que merece ser desfrutada, mas que nunca se tornará a senhora.
Enfim, o Brasil que foi tão hábil em mascarar seu racismo com o passar dos anos, também foi esperto o bastante para nos vender como seu melhor produto, que atrai milhares de “clientes”.
Mas se o Brasil vende um produto, existe por outro lado um país que está comprando essa imagem, que está acreditando que a mulher negra brasileira é realmente a grande prostituta que se diz. E isso realmente me entristece. Me entristece, pois eu conheço e tenho estudado cada vez mais a luta das mulheres afro-americanas para fugir de estereótipos como esses. Então porque acreditar quando isso é associado a irmãs de outros países?
Não há como falar em diáspora, sem pensar em união, sem pensar em partilha de dores e experiências na luta contra o racismo e pensar que eu posso ser observada como alguém que não é boa o bastante realmente me faz pensar se estamos em uma luta coletiva.
É claro que não posso generalizar, como eu mencionei antes minhas relações pessoais dentro da comunidade sempre foram maravilhosas e acredito que assim como meus amigos existam outras pessoas que também estão abertas a conhecer e respeitar a cultura do outro e seguir em uma luta conjunta.
Prefiro pensar que na maioria dos casos o que acontece é uma falta de conhecimento sobre a cultura brasileira ou sobre o que realmente acontece no Brasil.
Por isso resolvi responder em poucas palavras algumas das questões levantadas no video Frustrated: Black American Men In Brazil.
Sobre a sexualidade da mulher negra brasileira: Não há como generalizar, em um país com mais de 50 milhões de mulheres negras, cada uma irá lidar com sua sexualidade de maneira pessoal. Conheço mulheres negras que são sexualmente mais liberadas, como conheço outras que são virgens, não existe um padrão para a sexualidade da mulher negra em meu país. Também não acredito que tenhamos uma sexualidade mais aflorada que outras mulheres no mundo, acredito que isso é muito mais um conceito vendido do que uma verdade. A única certeza que tenho é: NÃO SOMOS UM CORPO A DISPOSIÇÃO, ir ao nosso país não significa sexo fácil, apenas porque somos brasileiras e isso é fato.
Sobre mulheres negras brasileiras serem submissas: Entendendo o machismo em meu país, acredito que muitas mulheres no Brasil ainda são subjugadas por homens, mas assim como sexismo existe em todos os lugares, a luta do feminismo negro também existe e nós temos nos levantados contra todo o tipo de opressão de gênero e raça. Temos um histórico de luta e protagonismo em nosso país, mulheres negras desde sempre foram responsáveis pela manutenção da família, como matriarcas que eram e também pelo pioneirismo político em diversas situações. NUNCA ESTIVEMOS NOS BASTIDORES.
Sobre prostituição no Brasil: Existe prostituição no Brasil como existe em qualquer lugar, na verdade o Brasil ainda é um país bem retrogrado nesse sentido, pois é um dos países no mundo, onde prostituição ainda é ilegal e considerada crime. E NÃO, NÃO SÃO TODAS AS MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS QUE SÃO PROSTITUTAS OU QUE VÃO TROCAR SEXO POR FAVORES.
Sobre mulheres negras brasileiras serem melhores que mulheres negras americanas: Não acredito que possa ao menos existir essa comparação, politicamente falando mulheres negras nos dois países tem partilhado uma história de luta e militância e aprendido muito umas com as outras. Fisicamente falando, acredito que na verdade somos muito mais parecidas do que nunca, afinal vejo diversas pessoas aqui que se parecem comigo, com minhas amigas, com minhas irmãs. Emocionalmente, temos um histórico diferenciado, apesar de sofrermos com a opressão do racismo, mas acredito sinceramente que nenhuma de nós tem tempo ou vontade de ser o capacho de homem algum . Sexualmente falando, acredito que a questão da sexualidade tem que ser tratada como o que é, algo pessoal que compete apenas aos envolvidos. É mais do que hora de quebrarmos os estereótipos que foram criados sobre nós.
Bom, o post foi longo, mas espero ter sido claro e que ajude para que possamos continuar construindo relações fraternas na luta contra o racismo. Todos são bem vindos no Brasil, mas é preciso derrubar imagens que não são verdadeiras.
Deixo com vocês um link para o video Frustrated: Black American Men In Brazil. E convoco a todas mulheres negras brasileiras e americanas para se unir e dar uma resposta a altura para algo tão preconceituoso e machista.
The process of writing this post has been taking time. Several times I thought about to start, but I feel so sensitive about the subject, and I see how this can worry the writing, so I stop.
The first time that I came to the U.S., I had the opportunity of living for two months in Atlanta-GA. It was such a deep experience that I saw each step as something magical for me. Among these experiences, it was new for me the fact that here I was considered pretty by Black men, which didn’t often happen in Brazil.
During those two months, I learned that the word beautiful had another connotation when it preceded the sentence “oh, are you from Brazil?” It was easy to realize that what was on the table wasn’t only the fact of being beautiful or not, but before this was the fact that to be Brazilian meant something else.
I always heard about the stigma of the Brazilian women’s hypersexuality abroad, the fact that she was seeing as a promiscuous woman, or even a prostitute. Still, I always thought it was a generalization and not a reality.
Over the years, as a person who always had African American friends, I never saw it as a possibility, considering that I always had respectful and equal relationships independent of where my friends were from.
These relationships got me close to the concept of Diaspora, and they made me start thinking about the Black struggle in a collective way. I understood that Black people around the world need to be united in the fight against racism.
During this period, I started to engage with the African American community because of my work. Even if sometimes I was approached by some African American men maliciously, I always saw it as isolated facts. I preferred to believe that bad character has nothing to do with nationality.
I need to say that this thought didn’t change, I still meet lovely people on my way, and I still enjoy making new friends in this country. However, I need to say that since I came to live here, I start to know some facts that clarified few things to me, making me very sad.
The first fact was a stranger’s commentary. This man told me about African American men who go to Brazil to find prostitutes because hiring sex workers would make the relationship easier without considering the language barrier. The second fact was the observation of the bad behavior of some African American men in Brazil, who were treating women as public bodies, as people who were there only waiting for them. Lately, I had access to a Youtube video where African American men affirm to look for Afro-Brazilian women because we supposedly are submissive, less educated, and wouldn’t care about social status.
This video shocked me for several reasons:
First, because all the women on it were black.
Second, most of those women were part of a prostitution ring, and because indirectly in the video, people were mentioning sexual tourism.
Third, during the video, the interviews motivated rivalry, and there was tension between Afro-Brazilian women and African-American women. As if the first ones were the reason for Black American women’s loneliness.
The perspective highlighted by the video made me feel horrible. I started to remember several isolated facts about me and other people I know: Afro Brazilian women mistreated as second-class people here.
I started to remember how comments regarding our beauty usually followed comments on how these men would like to go to Brazil and having a lot of fun. They never mentioned going to Brazil and finding a woman to have a real relationship with because they reserve good American women.
My sadness becomes deeper when I think how this reflects our bodies being sold out as products since slavery. As a racist expression used to say, in Brazil, “white women are to marry, the “mulatt”” women to fuck and the Black women to work.”
As Afro-Brazilian women, no matter if we are light or dark-skinned, we became over the years the “mulatt”” for exportation, a symbol of the sexuality of a country, someone available, the one who deserves to be enjoyable, but who never will become a Mrs.
So, Brazil, which was able to hide its racism over the years, was also smart enough to sell us as its best product, which can attract millions of “clients.”
However, if, on the one hand, Brazil is selling a product, on the other hand, countries are buying this image. Communities believe that the Afro-Brazilian woman is the great whore that everybody says. This makes me sad because I have been learning about the fight of African American women to escape from stereotypes like these. So why believe in stereotypes when they are related to sisters from other countries?
There aren’t ways to talk about the Diaspora without thinking about unity, our shared pain, and the similar anti-racist struggle. After considering that Black Brazilian women are believed inferior by some of our Black American brothers and sisters, I wonder if we are ready to talk about collective resistance.
I can’t generalize, and as I mentioned before, my relationships inside the Black community here in the U.S. were always wonderful. Like my friends, I genuinely believe that other people also have an open mind, willing to know and respect our cultural differences and follow a collective struggle.
In most cases, I prefer to think that what happens is a lack of knowledge about Brazil and its culture.
For this reason, I decided to answer some of the questions that approached on the video Frustrated: Black American Men In Brazil.
About the sexuality of the Afro Brazilian Woman: There aren’t ways to generalize it. In a country with more than 50 million Black women, each one of them will deal with their sexuality in a personal way. I know Black women in my country who are more sexually open; in the same way, I know others who are virgins; There isn’t a standard for the sexuality of the Black woman in my country. I also don’t believe that we are hypersexual or are more sensitive to sex than other women in the world. I think it is more a given stereotype than the truth. The only certainty that I have is: WE AREN’T AVAILABLE BODIES, and going to our country doesn’t mean easy sex, only because we are Brazilians.
About Afro Brazilian women being submissive: I understand the machismo in my country, and I believe that men still subjugate several women in Brazil, but in the same way that sexism is everywhere, the struggle of Black feminism also exist everywhere, and we have been standing against all kinds of oppression of gender and race.
We have a historical path, where Black women have always been matriarchs, support their families, and acting as political pioneers on different fronts.
WE HAVE NEVER BEEN BACKSTAGE.
About prostitution in Brazil: There is prostitution in Brazil as there is prostitution everywhere. Brazil is still a conservative country in this sense because it is one of the few countries in the world where prostitution is illegal, and pimperism is considered a crime. Besides, NO, NOT ALL BLACK BRAZILIAN WOMEN ARE PROSTITUTES OR ARE GOING TO EXCHANGE SEX FOR FAVORS.
About Afro Brazilian women being better than African American women: I don’t know how this comparison can even exist. Black women in both countries have been sharing a history of activism and learning a lot with each other. Regarding our physical appearance, I believe that we look alike because I see several people here, who look like myself, friends, or sisters.
Emotionally, we have a different history, but we both suffer racial oppression. Besides, I don’t believe none of us has the time or wish to be a doormat for a man. Regarding our sexuality, I see it as a personal matter that only people involved can judge.
It is more than time to break the stereotypes about us.
The post was long, but I hope it is clear and can help us construct friendly relationships in the anti-racist struggle. Everybody is welcome in Brazil, but it is necessary to knock down some images.
Here is the link for the video Frustrated: Black American Men In Brazil. And I call all Afro Brazilians and African American women to join me and give the correct answer to something so sexist and full of prejudice.