Há alguns dias o SBT começou a transmitir uma nova versão da novela Carrossel, uma novelinha mexicana que fez muito sucesso quando eu era criança e que tem entre uma de suas principais atrações a paixão de um garotinho negro por uma garotinha branca e o desprezo da mesma por sua condição social e por sua raça.
Na trama original Cirilo sofre todo o tipo de humilhação enquanto tenta desesperadamente chamar a atenção de Maria Joaquina e a mesma responde com agressividade a até mesmo violência fazendo do garoto mais uma vítima do famoso bullying.
Fiquei muito triste ao ler uma matéria onde a autora (que por sinal é esposa do dono da emissora) que fez esta versão brasileira da novela, dizer que iria manter todas as cenas de racismo, pois queria ser fiel ao original e porque acreditava que essa seria uma forma de mostrar um problema real no Brasil.
Na mesma hora me perguntei como a humilhação de um garoto negro em horário nobre na televisão, sem que haja nenhum tipo de reação por parte do mesmo poderia ajudar no combate ao racismo?
Mais triste fiquei ainda em ver meus pequenos sobrinhos assistindo a novela, mas como não há nada que eu pudesse fazer, para que meus gritos de protesto fossem ouvidos, comecei a pensar no assunto.
Pensei em quando assisti a primeira versão da novela o quanto sofria com as injustiças cometidas pela menina e com o sofrimento de Cirilo.
Pensei na alegria que sentimos quando Cirilo ganhou um carro motorizado preto como ele em uma rifa e disputou uma corrida com o menino considerado lindo na história, que era rico e tinha um carro motorizado branco como ele. (Na história Maria Joaquina era apaixonada pelo menino branco e fazia questão de mostrar a Cirilo como ela e o outro menino eram iguais e portanto superiores a Cirilo) Era como se todos nós estivéssemos ganhando também.
Pensei em todos os meninos negros que receberam o apelido de Cirilo em suas escolas durante a época da novela.
E comecei a pensar se isso não ajudou a desenvolver nos meninos de minha geração (hoje homens na faixa dos 30 anos), a síndrome de Cirilo.
O que trato aqui como Síndrome de Cirilo, é a necessidade que alguns meninos têm de aceitar ser tratado com inferioridade quando esse tipo de tratamento parte de uma mulher branca.
Jamais vou julgar relacionamentos interpessoais, afinal eu não mando no coração das pessoas, mas já vi muitos homens negros serem humilhados e aceitarem essa humilhação com resignação apenas por desejarem ter uma mulher branca ao seu lado.
Me questiono se o comportamento exibido por essa novelinha “inocente”, não pode ter ajudado a formar a mente resignada de muitos homens negros, que aceitam ser chamados de macaco por suas namoradas como se esse fosse um apelidinho carinhoso.
Me pergunto se em nossa sociedade onde o mito da democracia racial continua operando sua lavagem cerebral tão bem sucedida, onde o maior problema do negro é sua própria identidade mal formada ou falta de identidade, não é um desserviço criar mais uma geração vítimas dessa síndrome que só gera baixa autoestima.
Infelizmente para hoje não tenho respostas só perguntas, mas gostaria muito que o movimento negro se movimentasse para exigir que essa senhora que está adaptando a novela a realidade brasileira, ao menos crie um final onde haja algum tipo de reflexão e mostre o horror do racismo em nossa sociedade.
One Comment
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